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domingo, 31 de agosto de 2014

A nova roupa da velha politica

 

No discurso, Marina Silva se apresenta como novidade, mas para chegar ao poder a candidata do PSB recorre a antigas práticas
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)

O currículo da candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva, 56 anos, enumera passagens por pelo menos três partidos, mandatos parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal e o comando de uma pasta ministerial num governo do PT. Desde os 30 anos, Marina vive e respira política, nos moldes ditados pelo sistema partidário. Apesar disso, Marina diz encarnar a “nova política”. É enfática em seus discursos ao frisar que não compactua com o vale-tudo eleitoral e o modelo de alianças adotado por PT e PSDB nos últimos 20 anos. A utopia da candidata, ao pregar uma nova era política, rendeu a seus apoiadores o cativante apelido de “sonháticos”. A oratória envolvente de Marina embala milhões de brasileiros desencantados com “tudo o que esta aí”. Com o verniz da “nova forma de fazer política”, ela mascara as antigas e surradas práticas tão presentes em sua candidatura e biografia.

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CAIXA2?
Entrevistada pelo "Jornal Nacional", Marina Silva não conseguiu
explicar o empréstimo do jato utilizado por Eduardo Campos durante a
campanha - a Polícia Federal investiga a origem do dinheiro usado para comprar o avião

Desde o início da campanha, Marina tem condenado as alianças forjadas única e exclusivamente, segundo ela, para alcançar o poder. No entanto, foi por pura conveniência política, nada menos do que isso, que ela aderiu ao PSB quando precisou escolher entre manter a coerência do discurso ou ficar alijada das eleições de 2014. Em setembro de 2013, antes de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sepultar as esperanças de Marina em lançar candidatura presidencial pela Rede Sustentabilidade, ela produziu um duro artigo contra o PT, comparando a legenda que a criou politicamente a um camaleão que se mimetiza para sobreviver. “Adaptou-se ao que antes combatia”, escreveu. Marina é rígida com as adaptações dos adversários, mas muito sucinta ao explicar seus ajustes.

A composição, por exemplo, com o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), seu vice, exigiu esclarecimentos. Marina é a candidata que diz não receber doações da indústria armamentista, barra projetos do agronegócio no Congresso e não aceita intervenção da ciência no ciclo natural da vida, posições opostas às de seu vice. Nas últimas eleições, o deputado federal Beto Albuquerque recebeu doação de R$ 30 mil da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), que tem como filiadas a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e a Taurus.

Recentemente, Marina reiterou ao PSB sua posição sobre a questão: “Estabelecemos que não iríamos receber nenhum tipo de doação da indústria do tabaco e da indústria bélica. Esses compromissos nós continuamos com eles. É uma mensagem de que defendemos uma cultura de paz. Queremos trabalhar com a ideia de promoção da saúde”, afirmou. Nada disse sobre a arrecadação feita por seu vice.

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Em entrevista ao “Valor”, o candidato a vice se justificou: “É claro que ela sabe. Ela não veio para o PSB para ser PSB, assim como não nos coligamos com a Rede para sermos Rede. Nós somos de partidos diferentes” afirmou Albuquerque. O que para os adversários inspiraria um estrondoso rótulo de aproximação por interesse, na nova política de Marina Silva ganhou tratamento diferenciado. “Nós somos diferentes e a nova política sabe trabalhar na diversidade”, argumentou em sua entrevista no “Jornal Nacional”, na noite de quarta-feira 28.

Marina defende as ideias de seu vice, mas prega distância de outros políticos tradicionais filiados ao PSB, como o deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI) e Paulo Bornhausen, outro ex-integrante do DEM de Santa Catarina convertido ao socialismo. Marina foge para não encontrar os parlamentares nos palanques estaduais. Embora imersa nas águas das velhas práticas, ela não quer parecer contaminada e provoca a ira de antigos militantes. Em tom de provocação, Severino Araújo – presidente do PSB do Paraná, tesoureiro da executiva do partido e ex-secretário de Miguel Arraes – conta que confeccionou 28 milhões de santinhos com a dobradinha de Marina Silva e o tucano Beto Richa, candidato à reeleição no Estado. Ele desafia a candidata à Presidência a vetar o material de campanha e alega que ela sabia dos termos durante o período de convenções. Mesmo assim, permaneceu no partido. “Se ela não quiser foto junto com outros candidatos, tem que fazer outra convenção. Não aceitamos. Essa coisa de nova política não tem a menor lógica. É um sonho, mesmo, como eles dizem.”

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Quando confrontada, Marina recorre a um desgastado artifício das velhas raposas. A tática do “eu não sabia” entrou em debate quando a candidata foi instada a responder sobre ilegalidades no processo de compra da aeronave utilizada pelo PSB para os deslocamentos da comitiva da campanha presidencial. O comportamento, típico dos políticos descolados em driblar a opinião pública, veio acompanhado do clássico brado por investigações. “Meu compromisso é com a verdade. A verdade não virá pelo partido nem pela imprensa e sim pela Polícia Federal”, afirmou Marina em entrevista ao “Jornal Nacional”. A PF investiga o caso e uma das hipóteses é que a aeronave tenha sido comprada com recursos de caixa 2. Loteamento de cargos é outro tema favorito da candidata para atacar os adversários. Porém, a amizade de Marina com o governador do Acre, Tião Viana (PT) garantiu cargo de secretário a seu marido, o técnico agrícola Fábio Vaz de Lima. Somente após Marina assumir a candidatura presidencial ele se afastou da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e Serviços Sustentáveis.

Analistas políticos acompanham com cautela a retórica de Marina. Apesar de a prática ser outra, a candidata consegue dizer o que o povo quer ouvir e trabalha bem com o imaginário popular, resume o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer. “Nova política é um rótulo tão gasto que deu nome a uma coleção de discursos de Getúlio Vargas na década de 1950. É um conceito para consumo externo, cativa as grandes massas desencantadas com os partidos políticos”, afirma o especialista.

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